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Homossexualidade e Psicoterapia
Ms. Amilton Martins dos Santos
Para falar sobre homossexualidade será necessário falar sobre sexualidade. O conceito de sexualidade é um pouco complicado, pois envolve uma série de fatores, tais como comportamento, ato sexual em si, noções do que seja masculino e feminino e orientação sexual, sendo este último ponto o foco deste trabalho.
O primeiro elemento presente ao se falar sobre sexualidade é o corpo com o qual se nasce, geneticamente todos nascem homens ou mulheres, contudo há uma variação nesta composição da sexualidade, pois existem os hermafroditas. Durante o desenvolvimento, os hormônios passam a atuar e surgem as características secundárias, tais como: barba e pelos nos meninos e quadris arredondados e mamas nas meninas. Até este ponto foi uma breve descrição sobre o sexo biológico. Será que o sexo biológico define a orientação sexual? Quer dizer o homem sempre terá seu desejo sexual dirigido à mulher e vice-versa? A resposta é não. Orientação sexual significa para qual pessoa está dirigido o desejo em estabelecer um relacionamento sexual e amoroso. Neste sentido podem existir diferentes orientações sexuais, que não estão relacionadas ao sexo biológico. Quanto à orientação existem três grandes grupos que podem ser definidos como: 1)Homossexual - aquele que sente desejo por pessoas do mesmo sexo; 2)Bissexual - aquele que sente desejo por pessoas de ambos os sexos; 3)Heterossexual - aquele que sente desejo por pessoas do sexo oposto (Picazio, 1998).
Considerando que o sexo biológico não define a orientação sexual, fica uma questão, ainda não respondida, como ocorre à definição da orientação sexual? Esta é uma pergunta, que durante muito tempo e até hoje permeia o pensamento de alguns pesquisadores, porém não é o foco do presente trabalho, o que se pretende aqui é pensar de que forma o homossexual pode melhorar a sua qualidade de vida.
De acordo com Isay (1998) das várias tarefas a serem cumpridas durante a adolescência, uma das mais importante é a consolidação de uma identidade sexual. O adolescente homossexual entra neste período com uma sobrecarga maior do que os adolescentes heterossexuais, pois já se percebem diferentes e em algumas situações se sentem rejeitados,
o que pode levá-los a desenvolver um padrão de comportamento evitativo ou introvertido.
Outra conseqüência possível, desta situação é a tentativa de negar a homossexualidade, procurando manter um comportamento heterossexual. Soma-se, ainda, a estes sentimentos e pensamentos (comportamentos encobertos) sobre a homossexualidade, o fato de que os adolescentes têm poucos modelos homossexuais com os quais possam se identificar, de forma a ter modelos de comportamentos adequados ou possíveis de serem admirados.
Esse conflito vivido pelo adolescente também é discutido por Pinto (1999) que afirma ser necessária às escolas desenvolverem programas de orientação/educação sexual, pois apesar da quantidade de informações sobre sexualidade que os adolescentes atualmente têm, ainda é alto o número de adolescentes grávidas. Neste sentido ele aponta para o fato de que falar sobre educação ou orientação sexual nas escolas não pode se limitar apenas ao ato sexual, pois sexualidade envolve diversos aspectos, como: ato sexual; prevenção a DST e gravidez; diversidade sexual (homossexualidade, heterossexualidade e bissexualidade); família; entre outros. Contudo é importante tomar cuidado para que essa atitude das escolas não substitua o diálogo, que também é necessário, no ambiente familiar, a proposta é que a ação da escola sirva como estímulo para que a família possa desenvolver o hábito de manter um diálogo aberto sobre sexualidade. Com isto a orientação/educação sexual pode ampliar a possibilidade das pessoas se posicionarem de maneira criativa e consciente diante da sexualidade, alargando seu ângulo de visão, promovendo uma maior gama de recursos para tomar suas posições e orientar seus valores diante da sexualidade.
Este tipo de ação pode promover uma abertura para o diálogo sobre as diferentes facetas da sexualidade, tanto nas escolas quanto no âmbito familiar, o que pode gerar uma discussão mais ampla de forma que gradativamente essas diferenças possam conviver de maneira mais harmoniosa no dia-a-dia.
Retornando à idéia dos conflitos vividos pelos adolescentes e mais especificamente ao adolescente homossexual, surge um ponto que vai além da sexualidade, a auto-estima, ou seja, quais as regras que esses adolescentes desenvolveram sobre si, como se percebem, quais os sentimentos possuem sobre si. A construção da auto-estima de um indivíduo está diretamente relacionada à sua história de condicionamento, pois o ambiente e a comunidade verbal no qual a criança e o adolescente se desenvolveram, são responsáveis pelas informações transmitidas a estes, inclusive sobre o próprio valor, desta forma são estruturadas regras que tanto podem ser funcionais como não. Sendo assim, as posturas negativas e preconceituosas da família, amigos ou sociedade em relação à homossexualidade, podem gerar comportamentos de autopunição, pensamentos negativos e autocensura, sentimentos de culpa por ser um desviante, o que afeta a auto-estima do adolescente homossexual (Hardin, 2000).
De acordo com Guilhardi (2002) a “culpa” envolve uma comunidade poderosa (governo, sistema judiciário, professores, pais etc.) que julga (categoriza) um determinado comportamento como ilegal (inadequado) e o condena, de acordo com a lei ou as regras do grupo social (pune-o)”. É importante salientar que a culpa é entendida como um sentimento, porém os sentimentos não são causas de comportamentos, mas sim comportamentos (Skinner, 1993), portanto os sentimentos sempre são derivados de uma série de contingências vividas pelo indivíduo. Neste caso as contingências de controle do comportamento de culpa estão relacionadas com o controle coercitivo, ou seja, pela presença de punição ou reforçamento negativo, que está constantemente presente na vida do homossexual.
Esse tipo de controle observado no dia-a-dia, que gera o sentimento de culpa e promove o preconceito não afeta apenas o homossexual, mas a família do homossexual também é afetada, pois de acordo com Riesenfeld (2002:32) “nossa sociedade não informa nem prepara um pai ou uma mãe para escutar de sua (seu) filha (o) a frase: “Sou lésbica” ou “Sou homossexual”. Essa falta de abertura para a discussão sobre a diversidade da sexualidade acaba gerando uma série de imagens irreais sobre o que é ser homossexual. Frente a essa situação, é comum que muitos homossexuais só assumam sua homossexualidade para a família ou amigos depois de estar envolvidos em alguma associação gay ou mesmo em movimentos gays ou mantenham uma vida ativa no que diz respeito a amizades ou parceiros homossexuais, interações estas que possibilitam o desenvolvimento de estratégias de coping/enfrentamento, em relação ao preconceito.
De acordo com Kuehlwein (1998) o trabalho do psicólogo com homossexuais, envolve fazer uma avaliação das crenças e do ambiente social do cliente, identificando as mensagens que ele obteve sobre si, sua sexualidade e sua homossexualidade, com o objetivo de explicar as dificuldades em relação à auto-aceitação e construir novas crenças; consolidar uma identidade gay positiva, para isso o autor propõe o uso de diversos materiais como, por exemplo, livros ou filmes, com o objetivo de uma melhora na auto-estima do cliente; trabalhar as evidências sobre as atitudes da família e dos amigos, identificando evidências reais e fantasiosas; e desenvolver junto ao cliente uma rede social de amigos gays e heterossexuais.
Para Lé Sénéchal-Machado (2002:133) “a psicoterapia comportamental de orientação behaviorista radical privilegia um processo de autoconhecimento com vistas a promover um maior desenvolvimento da percepção que uma pessoa tem sobre si, de suas atitudes, pensamentos e sentimentos”. Neste sentido, propõe que ao trabalhar com homossexuais é importante identificar os problemas e as situações conflitantes que a identidade homossexual produz, de forma que essa identificação possibilite a manipulação de variáveis que provoquem modificação de comportamentos do cliente.
Para Skinner (1993), a psicoterapia é vista como uma agência controladora, não tão “organizada quanto o governo ou a religião, mas uma profissão, cujos membros observam procedimentos mais ou menos padronizados” (1993:348). Esta característica de agência controladora deve-se ao fato de que a psicoterapia está relacionada, com comportamentos considerados inconvenientes ou perigosos para o próprio indivíduo ou para os outros, desta forma, pode-se dizer que quando uma pessoa procura a ajuda de um profissional da psicologia está sob controle de condições aversivas, que estão presentes em sua vida e por isto decidiu fazer terapia, portanto a possibilidade de mudança é vista como promessa de alívio, o que coloca o psicólogo como novo agente controlador. O próprio Skinner (1995:46) aponta que “a psicoterapia é, freqüentemente, um espaço para aumentar a auto-observação, para “trazer à consciência” uma parcela maior daquilo que é feito e das razões pelas quais as coisas são feitas”.
De acordo com Rangé (1995), a psicoterapia comportamental se preocupa com mudança de comportamento, e essa mudança se baseia em uma análise funcional dos comportamentos considerados problemáticos. Neste sentido ele afirma que uma psicoterapia precisa oferecer: 1)efetividade; 2) otimização entre custo e benefício; 3) garantir que não existirão efeitos perniciosos decorrentes da intervenção; e 4) manutenção dos resultados.
Apesar do enfoque na mudança do comportamento, na teoria comportamentamental, quando se fala sobre a intervenção clínica, não é possível limitar a atuação apenas à mudança dos comportamentos. Esta intervenção deve ser mais ampla, realizando, como já citado anteriormente, a análise funcional de forma a identificar as contingências que estão mantendo estes comportamentos, assim como inferir quais as contingências que operaram no passado. Para isso é necessário que o terapeuta operacionalize os comportamentos, identifique as variáveis que controlam o cliente, as respostas emitidas pelo cliente em cada situação e quais as variáveis deverão ser manipuladas para alterar os padrões de comportamento do cliente (Castanheira, 2002; Baptistussi, 2000; Delitti, 1997; Meyer, 1997).
A psicoterapia é vista como um processo no qual o terapeuta é identificado como o aquele que ajuda o cliente a superar suas dificuldades. Neste sentido, Mahoney (1998) descreve alguns “princípios gerais da ajuda humana”, sendo que alguns destes princípios são: “... 3 - o processo de ajuda reflete a dinâmica da reorganização experiencial nos contextos conjuntos de: (a) um relacionamento seguro e afetivo; (b) uma razão tácita ou explícita que possibilite o progresso; (c) um engajamento ativo em rituais que envolvam significados pessoais e fortes emoções; ...14 – o clínico ideal é capaz de convidar e manter conjuntamente um relacionamento íntimo não-sexual com aqueles a quem serve, um relacionamento no qual as necessidades emocionais do clínico sejam subservientes”. Observando esses dois princípios percebe-se a relevância da relação terapêutica, pois num processo psicoterápico esta relação pode ser vista como a base necessária sobre a qual estabelecesse a confiança e segurança por parte do cliente em relação ao terapeuta, o que aumenta a probabilidade de que as intervenções sejam realizadas de forma eficaz.
Portanto pode-se dizer que a psicoterapia é um processo que envolve uma relação humana, na qual estão presentes o cliente e o terapeuta. Nessa relação, cada um tem seu papel definido, sendo o terapeuta o responsável pela ajuda e o cliente aquele que procura ajuda. Nesta relação, o terapeuta oferece: seu conhecimento teórico e técnico, de forma a identificar padrões de comportamentos; contingências e metacontingências relacionadas aos comportamentos do cliente; favorecer o desenvolvimento de um relacionamento favorável à exposição; construir um novo repertório de comportamentos; e possibilitar a manutenção dessas mudanças na vida do cliente. Enquanto que o cliente oferece ao terapeuta a possibilidade de lhe contar sua história, estar disponível para seguir as orientações e intervenções propostas pelo terapeuta e a esperança de que o terapeuta possa ajudá-lo.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
Baptistussi, M. C. - Bases teóricas para o bom atendimento em clínica comportamental. In R. C. Wielenska (Org.), Sobre Comportamento e Cognição – questionando e ampliando a teoria nas intervenções clínicas e em outros contextos. Santo André: ESETec, 2000.
Castanheira, S. S. – Intervenção Comportamental na clínica. In A. M. S. Teixeira; A. M. Lé Sénéchal-Machado; N. M. S. Castro; S. D. Cirino (Orgs.), Ciência do comportamento – conhecer e avançar Vol. 2. Santo André: ESETec, 2002.
Delitti, M. - Análise funcional: o comportamento do cliente como foco da análise funcional. In M. Delitti (Org.), Sobre Comportamento e Cognição- a prática da análise do comportamento e da terapia cognitivo-comportamental. Santo André: ESETec, 1997.
Guilhardi, H. J. – Análise comportamental do sentimento de culpa. In A. M. S. Teixeira; M. R. G. Assunção; R. R. Starling; S. S. Castanheira (Orgs.), Ciência do comportamento – conhecer e avançar Vol. 1. Santo André: ESETec, 2002.
Hardin, K. N. – Auto-estima para homossexuais – um guia para o amor próprio. São Paulo: Summus: 2000.
Isay, R. A. - Tornar-se gay - o caminho da auto-aceitação. São Paulo: Summus, 1998.
Kuehlwein, K. T. – Trabalhando com homens homossexuais. In A. Freeman; F. M. Dattilio (Orgs.), Compreendendo a terapia cognitiva. Campinas: Editorial Psy, 1998.
Lé Sénéchal-Machado, A. M. – Variações de identidade sexual: Um ponto de vista terapêutico comportamental. In A. M. S. Teixeira; A. M. Lé Sénéchal-Machado; N. M. S. Castro; S. D. Cirino (Orgs.), Ciência do comportamento – conhecer e avançar Vol. 2. Santo André: ESETec, 2002.
Mahoney, M. J. – Processos humanos de mudança – as bases científicas da psicoterapia. Porto Alegre: ArtMed, 1998.
Meyer, S. B. – O conceito de análise funcional. In M. Delitti (Org.), Sobre Comportamento e Cognição - a prática da análise do comportamento e da terapia cognitivo-comportamental. Santo André: ESETec, 1997.
Picazio, C. – Diferentes desejos. São Paulo: Summus, 1998.
Pinto, E. B. – Orientação sexual na escola – a importância da psicopedagogia nessa nova realidade. São Paulo: Gente, 1999.
Rangé, B. – Psicoterapia comportamental. In B. Rangé (Org.), Psicoterapia comportamental e cognitiva – pesquisa, prática, aplicações e problemas. Campinas: Editorial Psy, 1995.
Riesenfeld, R. – Papai, mamãe, sou gay – um guia para compreender a orientação sexual dos filhos. São Paulo: Summus, 2002.
Skinner, B. F. – Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
Skinner, B. F. – Questões Recentes na Análise Comportamental. Campinas: Papirus, 1995
Staats, A. W.; Staats, C. K. – Comportamento humano complexo – coleção ciência do comportamento. São Paulo: E.P.U., 1973.
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